Samara Volpony

POEMAOITAVA EDIÇÃO

11/28/2025

CÍRCULO DE FOGO

nenhuma palavra adentra

meu círculo de fogo.

nenhuma palavra me detém.

só meu poema me percorre,

só o meu verso me contém.

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CÂNTICO PARA JP

me diz, joão,

porque gritas meu nome

por entre os vãos?

timidamente, ainda, caminho,

e os mesmos olhos me atravessam.

ainda, choro o choro dos meus irmãos.

flores ainda beiram nossa casa,

vestidinhas de bordô e paixão.

ainda, bebemos da água do rio sagrado,

ruínas de um império de setembros eternos,

e, descalços, andamos,

com pés de barro e olhos ao chão.

inocentes, até agora, dormimos entre cigarras,

cantando alices na escuridão.

e, no tumulto das coisas,

o tempo é, ainda, nosso irmão.

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BABEL EM PROGRESSO

nosso tempo é curto,

não nos desesperemos,

não nos desesperemos, ainda.

avancemos, pois,

na urgência dos dias sem razão.

babel se ergueu sobre nós,

mas não nos precipitemos ao caos,

demo-nos as mãos para que não nos percamos.

o asfalto sepultou todas as flores.

o progresso sepultou todas as flores.

nos gabinetes e escritórios, são fabricados

sonhos de caneta e papel.

arquivam-se outros tantos,

e, assim, nascem gerações inteiras e infinitas:

milhares de rostos que não sei.

o tempo do progresso chegou,

a ideia do progresso.

vivemos o progresso e o deleite.

mastigamos o grito do progresso,

do mais fino e absurdo.

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GENEALOGIA DO DESERTO

sou da linhagem das ninfas sem nome,

da terra onde corre o rio entre as pedras:

lençol de água dos dragões.

sou do clã dos herdeiros das fomes

e minha pátria é uma miragem,

que ninguém sabe ao certo

onde vivemos (in)felizes para sempre,

cada um no seu deserto.

nunca aprendemos o código da humanidade.

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SUITE Nº 3

como são terríveis as primeiras horas do dia

e seu desejo de loucura:

suportar o seu desastre sob as nuvens

numa pátria parva

e um corpo em declínio à espera do abraço

tocamos árias de bach

para não oferecer à vista o lamento

fizemos todo amor que não demos

solfejamos serenatas

dançamos insanamente ao som de monocórdios

para contrariar fragilidades

enquanto tento não ruir

junto ao salitre das paredes

desta casa sem entes.

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Samara Volpony (Samara Laís Silva, Arari-MA, 1990). Poeta, parecerista, ativista cultural e professora brasileira nascida à beira do rio Mearim. Vencedora do IV Concurso Internacional Poesia Urbana, promovido pelo Centro Universitário de Brusque – UNIFEB (2014) e 2º lugar no II Concurso Internacional de Poesia da Casa de Espanha (2016). Autora do livro Contramaré (Patuá, SP, 2017), Lua de Memórias (Primata, SP, 2021) e Fin’amor (no prelo, edição bilíngue). Tem poemas publicados em jornais e revistas nacionais e internacionais, como no Verano Literario Feminista, do portal La Critica (México). Fundou a Impacto Cia de Artes (2010), a qual atualmente integra e preside. Nesta instituição, coordena e desenvolve projetos sociais e culturais.