Quatro poemas de Mara Magaña

A poesia de Mara Magña (poemas escolhidos pela autoraO.

POEMASÉTIMA EDIÇÃO

11/19/20252 min read

ancestralidade

trago dos meus

esse jeito de estancar

o sangue

antes que verta

sobre lápides alvas

o manto sagrado

limpando manchas

na hora exata

em que surgem

a dor guardada

em caixinhas

bordadas em ponto cruz

encruzilhadas

de lembranças

folhas secas

ouro velho do outono

que já foi

escondidas no caderno

em branco

trago dos meus

a fala muda

que grita as (des)estórias

da luta profana

de quartos de despejo

as vidas severinas

paridas à revelia

da fome

dos que se anulam

à força

do que é imposto

o grito engolido

que arranha a garganta

abre sulcros feridas

veias abertas

dentro dos que devolvem

o olhar

duro áspero

sem medo

trago dos meus

história secular

de virar a mesa

revirar o baú

e desmemoriar

o tácito

reverso da imagem

exibida sem pudor

homens mulheres

em altivez

frutos

em cada boca

o sumo escorrendo

pelos queixos

dos filhos da terra

que explodem

em alaridos

rostos pintados

prontos para a guerra

.

.

ou para a paz

.......

kintsugi

o ouro líquido

não colou meus pedaços

eu em cacos

espargidos por aí

há partes grandes

de mim

que permitem

continuar

como se inteira

outras tão pequenas

que guardo por hábito

sou de porcelana barata

os deuses não me

outorgaram

realeza

divindade

santidade

antes me pensaram

utilitária

para as tarefas

miúdas

desimportantes

[a não me tornar fardo]

nascer antes do sol

morrer depois da lua

.

.

assim fui me deixando

na terra

aos poucos

aqui um punhado

de cabelo

ali um dente

unhas carne

suor

pele

o coração em farpas

e a alma em tiras

no dia final

porém

me apresentarei

una

com a beleza

dos objetos sagrados

faceira com todas

as marcas

as cicatrizes unidas

com sangue

.

.

perfeitamente

.......

lilith

amo-te

desde o primeiro trovão

que me acordou

do sono plácido

da letargia

das vidas insossas

amo-te

antes dos tempos

imemoriais

onde a saudade

ainda não tinha

fincado trincheiras

amo-te

com a felicidade

do cantar dos pássaros

com o alarido das maritacas

que anunciam o cio

despudoradas

amo-te

como as tempestades

que tudo arrasam

e os tsunamis

irascíveis tresloucados

que tudo inundam

.

.

amo-te

como lilith revisitada

com a morte nos lábios

e a piedade nos braços

balouçando a uma

cantiga de ninar

..................

retorno

toda imensidão

é um grão perto de ti, amigo

o chão bordado

com as flores do ipê

teus passos se aproximando

da minha terra

invernosa e seca

da minha pele

árida e desidratada

.

.

foi tu que ficaste

com os rios, lembras?

todos eles

e suas nascentes

fozes

afluentes

a fluÍrem

para o inesperado

o fortuito

o mistério

para as lágrimas da lua

tornei-me a sombra

dos galhos ressequidos

a imuscuir-me com eles

enquanto tu

navegavas em botes

barcos navios

cargueiros

a carregar-te para longe

das raízes

(de mim)

-- foste feliz

em braços icamiabas?

agora retornas

como alguém que

chega de uma guerra

e reencontra sua helena

mulher de segunda

a abrir as pernas

a um toque

muda e sequiosa

do amor teu

mas não sou mais humana

veja as raízes que pisas

inadvertidamente

reparas nas folhas

rotas

que insistem

em despentear-se

: e ainda assim te amo

............

Mara por ela mesma:

Escritora era o sonho desde muito cedo, perdida nas páginas das diversas histórias caídas em minhas mãos. Virei jornalista, uma paixão avassaladora, enquanto a poesia ia fincando raízes tão profundas que não pude mais me arrancar. Os contos foram chegando de mansinho, personagens de um realismo mágico que tudo podiam (e podem). A cronista uniu as duas paixões, as notícias e a literatura. No mais, preparo um romance.