As orquídeas de copacabana
Crônica Ana Lúcia Franco e foto de Capa: Ana Lúcia Franco
CRÔNICASEXTA EDIÇÃO
10/26/20253 min read
Copacabana é uma cidade na cidade. Alta densidade demográfica, são 160.000 habitantes em alguns poucos quilômetros de extensão. Começa pelo mar exuberante, que, impassível, cumpre-se e aparentemente não se afeta pela densa tessitura humana. O mar doa-se tão completamente: para a diversão, para o deleite, para a contemplação. Doa-se até mesmo aos que não estão nem aí para ele e sujam suas águas e deixam o lixo nas areias. O mar é de uma doação infinita. E por mais que o poluam, resiste. Mas, tem um limite, claro.
A praia de Copacabana é um ícone. Exuberante em belezas naturais. Quantas vidas, ali, convergem, se cruzam diariamente no calçadão. Não dá para ficar alheio à beleza natural da praia de Copacabana. Ou dá. Tudo é possível. Absolutamente possível naquele calçadão de Copacabana.
Na praia de Copacabana, avistam-se ilhas longínquas; pedras e morros emolduram o mar. A areia, fofinha, quando não escaldante, morna. A água límpida e tranquila no final do posto 6, próximo ao Forte. Há uma banca de peixes frescos, como se pescados na hora. E a estátua do Drummond, que morava por ali, na Rua Joaquim Nabuco, que desemboca na Avenida Atlântica. Agora a figura do poeta jaz em bronze, sentada eternamente num banquinho de frente para o mar. Tiram selfs com a estátua. É uma leveza superficial que parece necessária para viver. A orla está sempre cheia, qualquer hora do dia ou da noite. Não para. Turistas se misturam aos moradores. Bem mais turistas que moradores, na verdade. Os moradores se escondem ou frequentam a praia fora do rush.
Mas Copacabana se adensa a medida em que nos embrenhamos pela selva de pedra. Margeia a praia, um cinturão de edifícios altos, construídos, parece, sem levar em conta a praia, a posição do sol, as sombras a inundar a areia. Adentra-se o cinturão de concreto e Copacabana vira uma selva de pedra. Comércios, trânsito intenso, alto fluxo de pedestres, moradores de rua. As mazelas de uma cidade grande. No caso, uma cidade turística. As mazelas pioram, parece. Rola uma piada de que, em Copacabana, no comércio, há um preço para o turista estrangeiro, outro para o turista brasileiro e outro para o carioca. É possível.
Em Copacabana, coexistem do inferno ao sétimo céu. Todos cabem, todos se cumprem. Há, também, as famílias tradicionais, a fina flor da zona sul, apegada ao bairro. Os que não se renderam ao boom da Barra da Tijuca nos anos 80 e 90.
Copacabana viu crescer o primeiro santo carioca, Guido Shaffer que, sim, criou-se nestas ruas de Copacabana. Oriundo de uma tradicional família Católica. Podia ter dado para traficar drogas, para viver em inferninhos, ou, na melhor das hipóteses, cumprir o tradicional roteiro de casar e ter filhos e ser um bom pai de família. Mas o cara preferiu doar-se afetiva e materialmente ao próximo, como médico e como sacerdote. Escolha é escolha.
Caminhar por Copacabana pode ser surpreendente. Há o que sempre é visto e o que não vimos ainda, supresa. Estava lá, sempre esteve, mas passou batido. Não havíamos visto, até que se mostra. Porque estamos preparados para ver.
Foi assim com as orquídeas. É a minha flor predileta. Eu criava orquídeas em Brasília. Há várias espécies de orquídeas. Prefiro a tradicional, a phaleanopolis. Acho que é assim que escreve. Passei a me atentar às orquídeas de Copacabana e agora vejo orquídea em todo canto. Sempre, toda hora. Elas ficam presas aos troncos das árvores que estão em toda a parte nas ruas do bairro. As ruas residenciais de Copacabana são muito arborizadas. Isso melhora os ares do bairro.
Disseram-me que os moradores as colocam ali. Imunes à violência, aos assaltos, que dizem constantes no bairro, embora eu nunca tenha visto. Nem violência, nem assalto. Orquídeas vejo, muitas. Enfeitam, encantam. Em meio à brutalidade do concreto, mantiveram a cidade arborizada. E os moradores oferecem à paisagem talvez o que tenham de mais puro e belo: suas orquídeas.