A vovó e o vibrador

Crônica Ana Lúcia Franco

CRÔNICAQUARTA EDIÇÃO

10/5/20254 min read

Se tenho um lugar predileto no Rio de Janeiro? Tenho vários. Um deles é a praia do Arpoador. Um pôr do sol na praia do Arpoador, no verão carioca, é dessas coisas pelas quais vale a pena viver. No inverno, não tem o mesmo hype. O sol, quando sai, está diferente. Pálido, estranho. Nada deslumbrante como no verão. Ainda assim, no inverno, ao sair o sol, vale um pulo no Arpoador, final da tarde.

Num sábado desses de inverno, eu estava no quiosque do Arpoador tomando uma água de coco. Ah, adoro. Olhar o movimento, a paisagem. Posso passar horas assim. De repente, na mesa em frente à minha, um casal inusitado: ela, uma senhora de idade avançada, apesar do cabelo pintado, dava para ver que era bem idosa; ele, um rapaz que mais parecia personal treiner de academia. Moreno alto, bonito e sensual. Uma tora de músculos no bíceps e de camisa coladinha. Branca. Estava todo vestido de branco. Ativei meu olhar, aquele que olha sem parecer que está olhando.

O rapaz era uma espécie de enfermeiro, de cuidador. E que enfermeiro. Não se fazem mais enfermeiros como antigamente. Ainda bem. E que cuidado com ela. Forrou a cadeira do quiosque para ela se sentar. Sentou-se na frente dela, que colocou o pé no colo dele. Começou a massagem. Depois ela colocou o outro pé. Ele massageava os dois pés descalços. Então ele se levantou e ficou em pé atrás dela. Começou a massagear ombros e nuca dela. Ela virou o rosto e riu. E, de repente, um selinho. É, um beijinho na boca. Aquela senhora tinha a idade para ser avó dele. Ali, eu já não sabia mais se era um amante, um enfermeiro, um cuidador. Podia ser tudo ao mesmo tempo. Talvez fosse. E os olhares que trocavam. Longos, calientes. Os olhares diziam tudo. Revelavam que aqueles dois, bem. Ah, que inveja. Inveja benigna. Talvez eu também estivesse precisando de uma massagem daquelas. E fico com tantas firulas, tanto senões.

Aquela senhora devia ser mais velha que minha mãe. E estava lá, sendo feliz. Entregando sua pele para uma deliciosa massagem. Assim renascia. A felicidade transbordava dela. E tudo isso ali, em público. No calçadão do Arpoador. Sem pudores. Ah, que delícia. Acho que a exposição deixa tudo mais excitante. Danem-se os moralistas.

Quantas mulheres na idade dela, na minha idade, na idade da minha filha, não se dão a esse desfrute por causa de um moralismo imposto pela sociedade, que vai esganando suas naturezas? Quantas desconhecem a própria natureza? Quantas desconhecem seu corpo? Sem contar que há aquelas com uma natureza sexual mais avantajada, digamos assim. São mais sexuais. Naturalmente. Típicas escorpianas. Ou que nasceram por ali, próximo ao signo de escorpião. Criativas por natureza. A criatividade é uma energia sexual. Uma energia sexual vultosa, não trabalhada, ou mal trabalhada se transforma em crueldade. E se volta contra a pessoa. As mulheres se tornam más, ressentidas. Passam a destilar sua maldade. Ao invés de Vênus, se tornam medeias ou serpentes.

A maldade tem muito disso. De uma ausência de gozo. De uma não permissão ao gozo por algum mecanismo interno ou social. Aquelas que passaram a vida toda casadas e nunca gozaram. Não é porque se tem um marido que se goza, todos sabem disso. Gozar é uma coisa, atender à imposição social de estar casada é outra coisa que pode ser bem diferente.

No caso da senhora do Arpoador, parecia que ela gozava. Sua pele madura brilhava, seu olhar exalava amor. Amor por tudo e todos. Uma característica dos que gozam é esse amor transbordante. Esse olhar benigno a tudo e todos.

Quando advogada, já trabalhei com mulheres de perto. Quantas mulheres, donas de casa, mães de família, nascidas e criadas sob o crivo de um moralismo desmedido podem ser maledicentes e cruéis. Mais que as prostitutas. Por mais incrível que isso possa parecer. Não que todas as prostitutas gozem. Mas acredito que a maioria sim. É que estão em um lugar em que têm que extrair de si uma força benigna para sobreviverem. E esta força pode vir do gozo. Socialmente são tantos desafios que uma prostituta enfrenta, que simplesmente não dá para alimentar sentimentos ruins. As acomodadas em fachadas sociais, estas contam com a aprovação dos outros, estas sim, podem ser umas cobras em essência. E nem saberem disso. Recomendo que gozem.

Mas, a senhora do Arpoador. Então. Era uma senhora rica. Chegou ali de carrão. E pagava o enfermeiro/cuidador/massageador/amante. Eu acho. Ele estava uniformizado. Não era um garoto de programa. Era fisioterapeuta, talvez. Mas não é porque não se pode pagar aquele tipo de enfermeiro que se deve desistir de buscar uma massagem daquelas, ou mesmo um gozo. Ou vários gozos. Há mecanismos mais em conta. Hoje, os vibradores estão popularizados. Há uns anos, quem ouvia falar em vibradores? Hoje, uma busca simples no site da Amazon revela a quantidade de vibradores disponíveis no mercado. Para todos os bolsos, todas as necessidades. Desde massagem no clítoris à penetração. Tudo.

Pessoa nenhuma deve partir deste mundo sem ter gozado. Carregando ainda infelicidades, ódios. Lutando por coisas vãs, como fama, fortuna. Um gozo resolveria. Liberaria uma força represada. A pessoa partiria bem. Feliz. Um gozo faz o corpo todo vibrar. É uma delícia. De repente, tudo fica lindo. Diante de um ser humano, passa-se a enxergar o que ele tem de melhor. A crueldade passa a não fazer sentido.

Mas, quantos quilômetros de moralismo introjetado separam as mulheres de um acompanhante daqueles. Ou de um vibrador?

Foto de capa :Pixação no edifício da FAU UFRJ por Fernanda Calhau.