A poesia de Patrícia Araújo (Tríccia)
POEMASEGUNDA EDIÇÃO
9/7/2025
As cigarras com seu canto impertinente,
o calor da tarde que vai colorindo
os vidros da janela do quarto
e sinto o romper da memória, o estrondo
da tua imagem se partindo ao meio
e se espalhando pelo piso, pelos poros.
Não sobreviveremos ao tempo
a fim de compreender nossos atos.
Nem vamos vencer todo o medo
para saber o que tem do outro lado.
Seremos, por fim, essa intensidade
refletida de nadas e contingências.
E, um dia, ainda te direi
– olhando em teus olhos –
que trago no peito
pássaros aprisionados…
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Amar é corroer-se por dentro
e, ainda assim, roçar de leve
a pele do tempo
diluindo aos poucos
as dores do mundo.
Perpetuar suspiros
em meio ao caos
e vandalizar o óbvio,
desregular os rumos,
desapropriar-se do medo
e atingir em cheio
a plenitude, num único toque.
Amar é converter-se em desespero
e convencer-se de que tudo,
absolutamente tudo, vai acabar bem.
Amar é ter uma fé absurda
no inexplicável.
É dar de comer aos sentidos
e viver faminto de desejos.
É tirar a pele para dançar
no corpo do outro e perceber,
num instante de lucidez,
que não há música alguma tocando.
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Porque quando olho nos teus olhos sinto renascer em mim todos os desejos que um dia matei e outros tantos que, por piedade, escondi. Essa ardência que come a pele devagarinho e me faz gozar nos teus olhos os poemas mais tolos de amor. Não, eu não sei mais o que sentir, mas sinto tanto! Cada vez que te olho assim, bem dentro, nessa profundeza de mar nunca antes explorada, nessa densidade que arrebenta os pulmões, que faz da visão um ar turvo de bruma leve. Teu corpo é uma provocação para as minhas mãos e eu não sei mais onde colocá-las. Deveria eu escondê-las nos bolsos, numa reação inversa à minha angústia de te apertar nos braços, assim manso, contra o peito? Não! Eu não quero ser incoerente, mas meu sentir não tem previsão. Além do que, a coerência é uma forma silenciosa de heroísmo e eu estou cansada de ser forte. Quero a fraqueza nata das rosas. Aquela delicadeza de doer as pétalas, uma a uma, quando tocada. Quero a dor de florescer em ti como rosa ainda pequenina, entre as tuas mãos. Quero a lealdade dos teus espinhos a proteger minhas redondezas e o perfume do amor que emana de tua essência verdadeira. Quero teus precipícios e silêncios. Quero-te, inteiro.
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Desinventar o seu nome, quando qualquer partícula de nunca mais se atrever a cair nos olhos, inundando o meu vestido. Recriar os cenários paradisíacos da sua boca, enquanto escuto Joss Stone no volume máximo. Perpetuar o seu cheiro nas flores do jardim, que ainda não plantei. Reter o contentamento que a sua imagem me provoca, guardando tudo em uma caixa suspensa no tempo, como os minutos guardam as horas e as nuvens escuras a tempestade. Compreender, ainda que com dificuldade, as razões pelas quais não nos entendemos mais. Manter o silêncio e resistir à ausência, mesmo que isso signifique o fim. Já não suportava te perder assim, aos poucos...
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Patrícia Araújo (Tríccia Araújo) nasceu em Uberlândia, MG, é casada e apaixonada por todo tipo de arte. É graduada pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) em Letras e Psicologia. Atualmente, trabalha como psicóloga clínica, mas nunca deixou de lado seu amor pela Literatura. Escreve desde 2004, tendo publicado seus textos e poemas em Revistas Literárias, digitais e impressas, bem como, nas redes sociais. Participou de várias Antologias com escritores nacionais e internacionais. Sua inspiração para escrever vem de cenas do cotidiano, de pessoas comuns com suas dores e alegrias. Tem como referência autores como Clarice Lispector, Fernando Pessoa, Manoel de Barros e Aline Bei, seus favoritos.