A poesia de Angélica Torres Lima

Poemas extraídos do livro Poemas de tError (Ed. Sete Letras).

POEMAQUINTA EDIÇÃO

10/16/20251 min read

Exterminador

Que anjo é aquele
no canto que ouço
e vejo de pareô
preto e branco?

Anjo negro de terreiro?
Anjo-lobo fera sagrada
vigiando meus passos
rumo a despenhadeiros?

Um olho aberto na cortina?
Um santo de costas
cigano pronto pra dança
um ente indefeso?

Ouço e vejo
um anjo louco.
Não o reconheço

2


É tudo ruim
e sempre foi
ele dizia assim
não canto
nem recito
: confesso:
o fim melhor
um bom expresso
vapt vupt reto.

Pois repito pra mim
que sim: vida é combate
e abate o fraco mas eu

não estava por perto
quando o poeta suicidou.
Se estivesse cantava
ô rapaz seja um bravo
não seja moleque
(e ele diria na certa)
não sê patética
ô mulher)

3

ronda na escuridão:
anjo da morte
com pantufas de gato.

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Tem espião no meu guarda-roupa

Não quero mais te ouvir
ô coruja, agourar à vidraça
do meu sonho ininterrupto.

Pranteio e canto e danço espio
o que sombreia e espanta
o riso: o eco do discurso
abismal do monstro palaciano

Vai-te do galho onde te penduras
ô ave dúbia: deixa meu voo minha lua
meu grito minha dor minha tontura.
Esquece o sol da minha noite escura.

Saia de cena! Tiro do plano
do meu filme o teu olhar-abuso
o teu rouco anúncio que desafinam
a vida sinfônica do mundo.

..........................


Amarga alma esse estado de coisas

Um golpe atrás do outro ou
em claro português de rua
uma porrada atrás da outra
e lá se vai a força
da guerrilha urbana

O método é planejado.
Uma golpeada à frente
da outra diariamente sim
e sim diariamente pois não

“E assim eles se abatem e se rendem
sem que seja preciso executá-los”
orgulha-se o estrategista
com sua águia-abutre aos ombros
sob o crepúsculo de sangue.

.......................

Angélica Torres Lima nasceu em Ipameri (GO), em 1952. Cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Brasília (UnB) e Direção e Cenografia em Artes Cênicas, na Fefieg (atual Unirio). Formou-se em Comunicação pela UnB e especializou-se em edição de livros e periódicos pela Universidade de Wisconsin (EUA). Trabalhou em diversos jornais, geralmente em editorias de cultura. Publicou Sindicato de Estudantes (1986), pelo qual recebeu o Prêmio Mário Quintana de Poesia, do Sindicato dos Escritores de Brasília, e Solares (poesias, 1988), com o grupo Bric a Brac. É autora do texto de Koikwa, Um Buraco no Céu (Editora UnB, 1999). Autora dos livros de poesia Paleolírica (Brasília: Alô Comunicação, 1999) e O Poema quer ser Útil (Editora LGE,2006).