A boa saúde das orquídeas (e a minha).

Crônica Ana Lúcia Franco

CRÔNICANONA EDIÇÃO

12/22/20254 min read

Conheci R. na faculdade de direito há quase trinta anos. Amizade de uma vida inteira, coisa rara atualmente. Tão raras as novas amizades. Estamos todos conectados mas interações profundas são poucas. Conto nos dedos das mãos os amigos de verdade. R. é um tipo de alma gêmea, mas mudamos tanto, talvez no passado fôssemos mais do que hoje.

Desde que cheguei ao Rio, ela prometeu me fazer uma visita. Parte da família dela mora aqui.

Então, quatro de dezembro passado foi a super lua cheia e somos duas lunáticas. Continuamos lunáticas. Vamos ver a lua juntas em Copacabana tomando um vinho na beira da praia? Ela me chamou. Vamos, eu respondi. Já fizemos isso outras vezes, não em Copacabana, não desta vez.

Dia quatro de dezembro amanheceu com céu limpo. Fui ao aeroporto Santos Dumont esperar R que chegou no início da tarde. Ficou lá em casa, que tem uma cama extra. E ficar em Copacabana, pertinho de tudo, é um privilégio. Ela acha isso. Eu, nem tanto. Muita muvuca. Mas não reclamo.

Deixamos as coisas dela em casa e fomos ao supermercado comprar o vinho. Mas, e a lua? O Rio, nesta época, tem isso. Amanhecem uns dias lindos e nubla no final da tarde. Exatamente. O céu “enraiveceu”. Prendeu a lua numa camisa de força cinza. Luar? Esquece. Nem vinho na beira da praia, começou a chover. Mas, valeu. Estávamos juntas e com muita conversa para colocar em dia.

Uma coisa me chamou a atenção em R: a quantidade de remédios que ela toma pela manhã e também pela tarde e antes de dormir. Ela tem uma bolsinha com várias cartelas de remédios. E pela manhã é um “clec” “clec”. Amiga, o que isso? Você está doente? Não, ela respondeu. Muitos remédios eram preventivos. Tinha para controlar a pressão, o colesterol, o açúcar no sangue. Ela tem dois anos a menos do que eu.

E você, Ana, não toma nenhum remédio? Eu? Não tomo. Nadinha. Se depender de mim, a indústria farmacêutica vai à falência. E nem sou aquele tipo de pessoa que vive no médico. Médico? Só se eu estiver morrendo. Há anos não vou ao médico. Sempre tive a saúde perfeita.

Mas devo confessar que não ando me cuidando. Principalmente no quesito alimentação. Este ano foi atípico. Liberei geral e como todo tipo de coisa que tenho vontade. E meu paladar regrediu. Eu que sempre fui de me cuidar. Sim. Já fui vegana, só comia comida natural. Só comia o que me fizesse bem. Probióticos, ervas, quinoas e toda veganice possível e imaginável. Não sei o que me deu.

Na realidade, sempre fui muito radical com isso de me cuidar. Sempre fiz dieta, academia. Em algumas épocas da minha vida, era chatinha com isso. Estou numa fase em que minhas construções estão caindo por terra. Estou me permitindo, inclusive, me destruir. Que louco, não? Não uso drogas, nunca usei. Meu modo de me destruir é pela alimentação. Comer bobagens, doces em excesso. Dei para isso aqui no Rio.

Este ano está sendo “sabático”. Tirei para mim. Aproximei-me ainda mais da poesia. E a poesia é isso, esse alargar nossas fronteiras psíquicas. A poesia tem seus territórios malditos, onde nos perdemos. Eu me permiti isso. Permiti que colocasse minha vida de pernas para o ar. Os vícios latejam. Meus vícios sempre tiveram a ver com alimentação. Desregramento. Quilinhos extras. O pior de tudo é afetar a saúde. Saúde ruim, cara, nem pensar. Ficar refém de uma sacolinha de remédios. Enriquecer esta indústria nojenta, a farmacêutica.

R. esteve aqui com seus remédios e a luzinha acendeu. Não quero isso para mim. Tomar um bando de remédios, para colesterol, para pressão, para isso, para aquilo. R. acha super natural. Afinal, a idade. Seria normal, na nossa idade, já estarmos tomando não sei quantos remédios. Será? Ah, não somos idosas, estamos longe ainda. Mas ela já se vê uma idosa que precisa se entupir de remédios. Credo. Eu não me vejo assim. E vou correr disso. Da dependência da indústria farmacêutica.

E fui fazer um check up, uma bateria de exames para ver como está minha saúde. Há mais de um ano, tenho me alimentado mal, tenho ganhado peso. Muita leitura, pouco exercício. Deixei para lá. Numa de destruir verdades que sempre alimentei. Precisamos mesmo daquela quantidade toda de exercício físico que eu fazia? Não é melhor malhar o intelecto? Será que engordamos mesmo ao comer à vontade, todo tipo de bobagem? Sim, engordamos. Não tem para onde fugir.

E a gordura será mesmo esta vilã de que tanto falam ou seria uma questão de padrão estético de cada época? A pessoa gorda é necessariamente doente? Falam tanta coisa. Eu não me importo com gordura, temo as ditas consequências da gordura. Temo ficar sem saúde, viver em médico, tomar uma tralheira de remédios.

R. me convenceu de que eu deveria fazer um check up. Que temos que fazer check up ao menos uma vez por ano. Acho que há uns cinco aos eu não fazia exames. Fui.

Sinto-me tão bem, terá algo de errado comigo? E se tiver, vou arrumar uma preocupação que não tinha. Fui mesmo assim. Fiz exames, urina, sangue. O que vai dar? Apreensiva e tranquila ao mesmo tempo. Contraditória.

Recebi os resultados. Tudo normal. Alívio. Como assim, normal? Nem um colesterolzinho alto? Nem triglicídeo? Que coisa. Já me aconselharam fazer os exames em outro laboratório. Podem ter errado as medições. Porque, na minha idade, devo estar doente. Devo estar com algo fora do normal Viver certo tempo sem enriquecer a indústria farmacêutica. Pode isso?

Novos exames? De jeito nenhum. Feliz por não estar doente. Agradecida ao acaso. E com o compromisso de me cuidar mais. Sim.

Xô indústria farmacêutica.